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Com queda no consumo de álcool, bares enfrentam o desafio de sobreviver — e não mais de crescer


Depois de anos mirando metas ambiciosas de crescimento, bares e restaurantes do setor de bebidas alcoólicas agora encaram um novo e mais modesto objetivo: sobreviver. Em meio à queda nas vendas de destilados, à ameaça de tarifas internacionais e à pressão por mudanças nos hábitos de consumo, o setor vive um momento de incerteza generalizada.

De acordo com o Distilled Spirits Council, o valor das vendas de bebidas destiladas nos Estados Unidos caiu 1,1% em 2024 — um recuo pequeno, mas simbólico em um mercado historicamente acostumado à expansão constante. Diante disso, distribuidores, importadores e donos de bares têm sido forçados a repensar estratégias e margens, muitas vezes operando no limite da rentabilidade.

A situação é descrita por especialistas como um verdadeiro “campo minado”. A elevação dos custos de importação, impulsionada por guerras tarifárias e instabilidade política, somada ao aumento de pressões regulatórias — como a exigência de advertências em rótulos — contribui para um cenário imprevisível. Ao mesmo tempo, a concorrência com o excesso de estoque de uísques e tequilas agrava o problema.

Mudanças no copo e no comportamento

Mas talvez o fator mais profundo de transformação venha do próprio consumidor. Os chamados “sóbrio-curiosos” — em geral jovens que adotam hábitos mais saudáveis e buscam reduzir (ou eliminar) o consumo de álcool — têm pressionado o setor a se reinventar.

Além disso, o avanço da legalização da cannabis em vários países e o uso crescente de medicamentos como Ozempic e Wegovy, que suprimem o apetite e reduzem o desejo por álcool, vêm alterando os hábitos de consumo de forma significativa.

“Não acredito que discursos extremos definam o futuro, mas eles sinalizam direções que precisamos observar com atenção”, diz um gestor de rede de bares nos EUA.

Para se adaptar, muitos estabelecimentos vêm ampliando os cardápios com coquetéis de baixa graduação alcoólica, drinques com vinho ou espumante no lugar de destilados, e até versões sem álcool de clássicos como negroni e margarita. A aposta é conquistar tanto quem não bebe quanto quem busca moderação — sem abrir mão da experiência.

Criatividade como estratégia

Frente à retração no consumo e à instabilidade comercial, a criatividade tornou-se um ativo essencial. Além dos cardápios “zero álcool”, há investimentos em ingredientes artesanais e produtos locais para baratear custos e criar uma identidade única. Muitos bares também têm investido em experiências imersivas, eventos de mixologia e parcerias com marcas independentes.

“A lógica agora é oferecer algo que não pode ser reproduzido em casa”, afirma uma consultora de tendências para o setor.

Impacto das tarifas globais

As incertezas também vêm de fora do balcão. Em 2024, uma série de disputas comerciais internacionais aumentou a tensão no setor: tarifas de até 25% foram anunciadas (e temporariamente suspensas) sobre bebidas mexicanas e canadenses; vinhos e destilados europeus enfrentaram ameaças de taxas de até 200% por parte dos EUA; e a União Europeia cogitou retaliar com tarifas de até 50% sobre uísques americanos.

Esse ambiente instável afeta toda a cadeia de produção e distribuição, desde grandes marcas globais até bares de bairro que dependem de insumos importados. Para muitos, a sobrevivência está agora mais ligada à agilidade e à capacidade de adaptação do que a qualquer plano de expansão.

Oportunidade em meio à crise

Apesar do cenário desafiador, há quem veja a crise como uma oportunidade para repensar modelos de negócio e atender a um consumidor em transformação. À medida que os bares abandonam o modelo de “volume + margem”, ganha força uma lógica centrada em valor, propósito e diferenciação.

“Estamos vivendo uma revolução silenciosa na maneira como o mundo bebe — e isso exige uma resposta igualmente ousada”, resume um analista de mercado.

Se o passado recente foi sobre escalar e vender mais, o futuro parece ser sobre entender melhor. E, para quem conseguir se adaptar, o copo ainda pode continuar meio cheio.

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